Gazeta Musical

Sobre música, da música, para a música!

quarta-feira, abril 26, 2006

Festa da Música

Desenganem-se aqueles que estavam à espera de uma crítica aos concertos da Festa da Música 2006… deixamos tal tarefa aos habituais críticos da nossa praça, que nos últimos dias têm andado num alvoroço pueril a criticar tudo o que viram e, do alto da sua sapiência, a classificar as interpretações… como se a música e o que dela fazem os músicos se resumisse a uma escala parola de 0 a 20. Ou ainda, tique por demais recorrente, irem a concertos cujo resultado final, sabem eles à partida, não os vai satisfazer…
Este ano não comprámos bilhetes, não nos detivemos em jogos de cintura para conjugar o concerto a, b, c, y e z, qual Obelix em sindroma de privação, ávidos de música, a raiar a histeria saloia. Que fique claro desde já que apoiamos a Festa da Música, ou pelo menos entendemos e, até certo ponto, somos entusiastas deste modelo. Mas o que era novidade nos primeiros anos tornou-se, rapidamente, numa moda, com os mesmos tiques irritantemente burgueses que encontramos no dia-a-dia por Lisboa, isto sim, a evitar.
Além do mais, e temos isto como um princípio cá de casa, quando não há dinheiro não há festa! Não se pode comprar champagne, paciência, não se vai comprar espumante! Não se pode comprar filetes frescos, não se vai remediar com peixe congelado… Mas não, como o português médio é um bronco musical, um analfabruto, faz-se uma sandwich de filet mignon com mortadela, que ele não vai dar por nada. Mistura-se o mau com o muito bom e espera-se que ninguém dê por nada. É como nos leilões, as peças menos interessantes são misturadas com as de grande valor para, enfim, sempre terem uma licitação mais conveniente. Em suma, se não havia dinheiro para fazer uma Festa da Música monumental, como anteriormente aconteceu, pois bem, faziam uma garden-party com os agrupamentos de excepção habitues
Ou então, faziam com a prata da casa. Mas aí corriam o risco de não terem público. Sim, que o português padece do mal crónico de só apreciar, por norma, o que se faz lá por fora. Seja bom ou mau, não importa, é estrangeiro, por isso vende! É triste pensar que, ao longo do ano, não há apoios sólidos aos diversos agrupamentos portugueses que lutam, num esforço hercúleo, por sobreviver e impor-se no mercado como referências de qualidade, e depois, por falta de dinheiro de uma organização, são convidados para tapar buracos, sendo literalmente entalados entre concertos de ensembles de referência mundial! Como imaginam, dá asneira, e da grossa!
Teria sido melhor recusarem o convite? Respondemos a esta questão com outra… como é que um coro ad hoc, constituído por uma amálgama de cantores pode competir com um coro que ensaia diariamente? Como é que este coro ad hoc pode prestar um bom serviço à música se não tem meios para trabalhar nas condições ideais, um trabalho aturado, diário, procurando fundir as vozes, apurar o timbre dos naipes, regular emissões vocais díspares? Como é que um coro pode ter uma boa prestação se mistura pessoas que de canto sabem zero com outras que fazem do canto a sua profissão? E os amadores que por lá passaram?
A Festa da Música não é uma competição. Pois claro que não, quem disse isso? Mas até um bronco tem ouvidos, e se há coisa que nos irrita é ver portugueses fazerem figuras tristes, expostos ao escárnio, que redundam na observação óbvia “eu não disse?!” ou então “ora essa, eu vou é ouvir intérpretes de excelência!”. Se houvesse apoio sustentado, quer privado quer institucional, redes de espectáculos a funcionar seriamente, e não apenas no papel, crítica construtiva [e poderia estar aqui mais 100 parágrafos a discorrer sobre o assunto], os portugueses teriam mostrado o quanto valem, e acreditem que valem bem mais do que o que esteve à mostra!
Porque que raio houve dinheiro para fazer oratórias de Händel, batidas ad nauseam por esse mundo fora, com coros de trinta e tal pessoas, orquestras e duplas orquestras e depois não houve dinheiro para fazer o Te Deum de Francisco António de Almeida com esse aparato? Fica-lhe atrás em génio musical? Venham eles, e vamos discutir isso de músico para músico, não de melómano para melómano! Onde esteve a música de António Teixeira, José de Nebra, Lully, Alessandro Scarlatti, Jan Dismas Zelenka e muitos outros? Harmonia das Nações é como quem diz que, pelos vistos, umas continuam a valer [ou será vender] mais que outras.
Que nos crucifiquem com o que vamos dizer, mas certos senhores fariam um melhor serviço à sociedade portuguesa se, em vez de gastarem dinheiro na Festa [ou será Feira] da Música, o investissem num apoio sustentado aos músicos portugueses. Os frutos de tal investimento estariam à vista em menos de cinco anos. Como diria o poeta “põe-se o dinheiro onde faz vista, não onde faz falta”. É o Portugal dos pequeninos!

Disparates III

Et bient, um disparate nunca vem só! Qual não foi o nosso espanto quando, ao folhear diversos programas de sala da Festa da Música, encontrámos verdadeiras aberrações nas biografiazinhas dos compositores, para já não falar do resto [andamentos trocados, árias e recitativos invertidos, traduções altamente dúbias, etc.]. Revesitemos, pois, algumas dessas pérolas...

1) No programa de sala do concerto 21 e do concerto 50 vem a seguinte nota biográfica:
Com o século XVIII, mais precisamente com o casamento de D.João V com a princesa Maria Ana, filha do imperador Leopoldo I da Áustria, tem inicio na música portuguesa o chamada “período italiano”.

Todo este primeiro período está erradíssimo! As influências italianas, na música portuguesa datam, pelo menos, da segunda metade do século XVII. Tais influências são bem patentes em obras de João Lourenço Rebelo (1610-1661), Diogo Melgaz (1638-1700) ou ainda, mas em menor grau, Francisco Martins (c.1617-1682). Mais uma vez, a questão do italianismo não se coloca, mas sim, quanto muito, do romanismo e mesmo assim, é muito discutível. O casamento de D. João V com a princesa Maria Ana de Áustria [já agora é “de Áustria” e não “da Áustria” como está escrito] não teve a mínima influência nas opções estéticas tomadas pelo rei.

2) No programa de sala do concerto 50 vem a seguinte nota biográfica:
Sucessor do rei D. João IV […], o Rei D. João V […] E foi neste contexto que Domenico Scarlatti, que vivia na península desde 1719, granjeou muitos alunos, entre os quais […] Carlos Seixas. Embora se inspirasse em Scarlatti, Carlos Seixas […]

Dizer que D. João V foi o sucessor de D. João IV é de almanaque! A D. João IV sucedeu o seu filho D. Afonso VI, destronado do trono por seu irmão, D. Pedro II, por sua vez, pai de D. João V.Que se saiba, Domenico Scarlatti vivia em Lisboa, em 1719. Lisboa é na península ibérica, mas nem a isso fazem alusão. Podia ser a península itálica, a península dinamarquesa, até a de Tróia! Além disso, que se saiba, para além dos infantes, Scarlatti não teve qualquer aluno, muito menos Carlos Seixas. Esse mito foi resolvido há, pelo menos, duas décadas atrás. Além disso, Carlos Seixas não se inspira em Scarlatti, são bastante diferentes quer do ponto vista da estrutura das sonatas, quer no discurso melódico. Mais um mito que caiu há muito.


P.S. Lemos algures por aí que um crítico achou, e passo a citar, “Boatos não fundamentados sobre o vício de jogo de D. Scarlatti dados como certos nas notas de programa” um tremendo disparate. E como não bastasse, ainda chama a coacção Pierre Hantaï, personagem com quem debateu o assunto… Sugerimos a leitura atenta quer da correspondência entre a embaixada de Portugal em França e a chancelaria régia, quer do testamento da rainha Maria Bárbara de Espanha, antes de se pronunciar tão categoricamente sobre o assunto. O nosso imenso respeito por Domenico Scarlatti não diminuiu perante tais “boatos”, a natureza humana tem destas coisas… compensadas à partida por sonatas como a k.87, k.118 ou a k.383.

quinta-feira, abril 20, 2006

O massacre da Pascoela



19 de Abril de 1506

Página negra da história de Lisboa... infelizmente, os massacres continuam...

Disparates II

O Rei D. João V, grande melómano, homem culto e requintado, restitui à corte portuguesa de italianismo; Domenico Scarlatti, Carlos Seixas e também Antonio Soler e Francisco Almeida, beneficiaram da fecunda efervescência musical que caracterizou o seu reinado.

O rei D. João V pode ter feito muito pela música em Portugal (criação do Seminário da Patriarcal e do Seminário de Santa Catarina de Ribamar; a contratação maciça de músicos estrangeiros para a Capela Real, Real Câmara e para a Charamela Real; atribuição de bolsas de estudo, etc.) mas está longe de ter sido um melómano. Para o Magnânimo a música era mais um dos diversos instrumentos que tinha à sua disposição para o engrandecimento da coroa portuguesa. Todo o aparelho musical da corte joanina estava ao serviço do Estado e não do gosto particular do rei. Era sem dúvida um homem culto, requintado, e com uma visão precisa do que queria para o País, para o Estado, para a Nação. Foi um espírito incompreendido, decidido a relançar Portugal na Europa, mas de forma assaz peculiar.
Como é possível alguém restituir algo que nunca existiu? A corte portuguesa sofreu influências inglesa, flamenga, castelhana, mas nunca italiana! D. João V introduziu hábitos franceses na corte, para grande escândalo e oposição dos cortesãos, e, quanto muito, romanos, porque é de Roma que se trata. Roma é o modelo a seguir, não a generalidade da península itálica. Além disso, vários autores falam da inexistência de uma verdadeira corte portuguesa, pelo menos, nos modos "versalhescos" que dominam o status quo cortesão europeu. Mas até este ponto, enfim, ainda vai… agora dizer que Scarlatti, Seixas, Almeida, e milagre dos milagres, Soler, beneficiaram da fecunda efervescência musical que caracterizou o seu reinado, dá direito ao pelourinho!
Comecemos por Scarlatti. Tendo aceite o cargo de Compositor Real e Mestre dos Infantes, Scarlatti teve como incumbência principal organizar o corpus de músicos recém-chegados a Portugal, por forma à Capela Patriarcal joanina poder rivalizar com a Capela Pontifícia. Paralelamente, estava incumbido de ensinar cravo à Sereníssima Infanta D. Maria Bárbara e ao seu tio, o Infante D. António. Tendo em conta que Scarlatti viveu em Portugal pouco menos que 10 anos, entre 1719 e 1729, sendo que grande parte deste tempo passou-o a viajar, segundo João Pedro d’Alvarenga, entre Itália, França e Inglaterra, ficamos tentados a afirmar que Scarlatti beneficiou, antes de mais, da fecunda efervescência monetária que caracterizou o reinado joanino.
Se Francisco de Almeida nada tinha a aprender em Portugal, como o prova genialmente a sua oratóra La Giuditta, composta em Roma c.1726, Carlos Seixas foi quem realmente usufruiu plenamente da babilónia de músicos estrangeiros chegados a Portugal por incumbência régia.
Por fim, o magno disparate! Nascido em Gerona a 3 de Dezembro de 1729, Antonio Soler viveu toda a sua vida em Espanha, primeiro em Montserrat, como menino de coro, depois como mestre de capela da Catedral de Lérida, e a partir de 1752, como frade jerónimo no Mosteiro de São Lourenço do Escurial, sendo nomeado mestre de capela em 1757, cargo que ocupou até à sua morte, a 20 de Dezembro de 1783. A sua virtuosidade ao órgão e ao cravo valeu-lhe a protecção de D. Maria Bárbara, tendo estudado com Domenico Scarlatti e José de Nebra (1702-1768), vice-mestre da capela real. O seu discípulo dilecto foi o infante Gabriel de Bourbon, a quem dedicou diversas obras para tecla e seis quintetos de cordas e cravo.
Se alguém tiver a gentileza de nos explicar como é que este insigne compositor teve oportunidade de beneficiar da efervescência musical joanina, agradecemos desde já, porque não nos ocorre nenhuma explicação plausível!

quarta-feira, abril 19, 2006

Disparates I

Voltando ao post anterior...
Filha do Rei D. João V, a Infanta Maria Bárbara deu sempre um precioso apoio a D. Scarlatti, tendo-o acolhido em Madrid quando em 1728 se casou com o príncipe espanhol D. Fernando. Scarlatti compôs para a Infanta cerca de 555 sonatas para instrumentos de tecla.

Filha do rei D. João V e da rainha D. Maria Ana de Áustria, a Sereníssima Infanta D. Maria Bárbara de Bragança nasceu em Lisboa em 1711 e morreu em Madrid em 1758. Casou-se com Fernando de Bourbon, Príncipe das Astúrias e futuro rei de Espanha [1746], em 1729 [e não em 1728, como se afirma]. Tida como mulher de grande cultura, protectora das belas-artes, especialmente da música, teve como mestre Domenico Scarlatti. A ida do compositor para Madrid nunca foi devidamente esclarecida. Diz a tradição que a Infanta, não querendo desligar-se do seu mestre, rogou a D. João V que deixasse Scarlatti partir para Madrid. Contudo, quando se deu a troca das Infantas de Portugal e de Espanha, em Janeiro de 1729, Scarlatti encontrava-se em Roma, onde se casara no ano anterior. Segundo Manuel Carlos de Brito, Scarlatti tentou, em vão, regressar à corte portuguesa em 1744 e 1748. Nomeado maestro de cámera em 1746, da agora Rainha Maria Bárbara, ocupou esta posição até à sua morte, em 1757, numa aparente obscuridade, compondo essencialmente para tecla. Que Scarlatti e D. Maria Bárbara, virtuosíssima ao cravo como, aliás, o seu mestre, formaram uma das duplas mais profícuas da história da música ocidental é um facto, agora, afirmar que as c.555 sonatas de Scarlatti foram escritas na totalidade para a Infanta já é demais!
Além disso, o único livro de música publicado em vida de Scarlatti, sob sua supervisão, Essercizi per gravicembalo, é dedicado a D. João V que, curiosamente, o tinha feito cavaleiro da Ordem de Santiago em 1738.
Nota: 11 de Janeiro de 1728 é a data do casamento, por procuração, da Infanta de Portugal com o Príncipe das Astúrias, celebrado na Igreja da Patriarcal, no Paço da Ribeira, tendo D. João V representado o seu futuro genro. Este casamento foi rectificado um ano depois, em Badajoz, com a presença de Fernando de Bourbon e D. Maria Bárbara, sendo esta a data legalmente válida.

Festa da Música II

Lemos estas pérolas no site oficial da Festa da Música 2006, pomposamente intitulada A Europa Barroca, A Harmonia das Nações:

O Rei D. João V, grande melómano, homem culto e requintado, restitui à corte portuguesa de italianismo; Domenico Scarlatti, Carlos Seixas e também Antonio Soler e Francisco Almeida, beneficiaram da fecunda efervescência musical que caracterizou o seu reinado.

Filha do Rei D. João V, a Infanta Maria Bárbara deu sempre um precioso apoio a D. Scarlatti, tendo-o acolhido em Madrid quando em 1728 se casou com o príncipe espanhol D. Fernando. Scarlatti compôs para a Infanta cerca de 555 sonatas para instrumentos de tecla.

Como é possível que, em oito linhas de texto corrido, sejam ditos tantos disparates?! Quem foi o paquiderme que escreveu isto? A Festa da Música precisa, atendendo ao público generalista, de conteúdos apelativos e simplificados, é certo, mas cientificamente correctíssimos, não estas aleivosias!



Festa da Música I

Este ano tínhamos tomado a decisão irrevogável de não ir à Festa da Música. A razão, ou razões, melhor dizendo, pouco importam por agora. Mas como a vida tem destes acasos, recebemos meia dúzia de convites para Sábado, dia 22 de Abril. As sobras, dirão…
Apesar de tudo, e depois de alguns telefonemas, decidimos ir. Um deles, desperta-nos particular curiosidade… adivinhem vocês qual é….

domingo, abril 16, 2006

El Greco III

sexta-feira, abril 14, 2006

El Greco II

quinta-feira, abril 13, 2006

El Greco I

quarta-feira, abril 12, 2006

O som das palavras


Lemos estes versos pela primeira vez de cálice de porto na mão, enquanto o autor discorria sobre poesia polaca do século XX com um amigo comum… ouviam-se os Rückert Lieder

um dia encontrarás o amor onde ele não te encontre mais

subirás as escadas fantasmas da posse
as frases murmurando contra o sol
e o doce ranger dos corpos vai cortar-te os dias

passarás pelo fogo das palavras mentidas
pelos versos densamente habitados pelos teus gestos
a ausência de ti mesmo calará os teus passos
como se entrasses no amor
por uma porta assassinada
verás os selos do coração
um a um desfeito pelo clarão
verás o teu nome medido em sílabas de pânico
correndo do medo para a luz

pássaros de bruma trarão noites inteiras
o sabor cru dos peitos esmagados pela ausência
o som a fogo interior de tão imaginado
e mandarás na memória como numa dor intrusa

com as duas mãos do desejo tocarás no fim
tão frio como se o impossível te tivesse os braços
preso a onde foste mais que um corpo
e o seu peso inteiro em sonho

ouvirás o som das multidões do sangue
os sítiosperdidos de tão idos
as noites que doeram por se abraçar

e quando ouvires as palavras suspensas
que guardam o coração do tempo
tão reais como o sangue as dependesse
quando caminhares na dor como um chão
estarás de pé na morte onde te vejo

na cal viva das paredes dos ossos
o teu braço chegará a mim
como um rio acordado de frio
e mãe a angústia vai separar-te de mim

nesse dia perdido em todos os minutos do mundo
em que as coisas sejam renovadamente mortas
encontrarei o amor onde ele não me encontre mais.


in Pedro Sena-Lino, zona de perda, livro de albas*

*antiga composição poética destinada a ser cantada à alvorada;

terça-feira, abril 11, 2006

Paixão III

Para os viciados em discos, como nós, segue um link para um levantamento de todas as gravações existentes da PSSMateus. De caminho, aproveitem para ler o artigo, não vos faz mal nenhum...

Paixão II

A propósito dos corais, encontrámos este pequeno apontamento de Bernard D. Sherman, na Gramophone Early Music, Verão, 1999.
At the end of each phrase in the typical Bach chorale, the last note is under a fermata. How did Bach want these final notes performed?
Most Bach performers (early-music or mainstream) believe that the fermatas should barely be acknowledged. These performers do not hold the fermatas longer than their written note value. But a few early-music maestros, notably Joshua Rifkin, Kenneth Slowik, and Rene Jacobs, have come to the opposite conclusion. They hold these fermata-notes for about three times their written value. A good case can be made for their approach.
For one thing, Robert Marshall's monumental study The Compositional Process of J. S. Bach shows that in the final chorale of BWV 65 the rebarring in a second draft makes sense only if the note under the fermata is to be held longer than its written value.
Also, as Joshua Rifkin points out in a forthcoming publication, the chorales that Bach used in his sacred works were, of course, used by numerous other German composers, but many of these composers notated the chorales differently than Bach did. Telemann and Graun, among many others, did not use fermatas at the ends of the phrases. Instead, where Bach wrote fermatas, these other composers wrote out three beats. Specifically, they wrote out the phrase-ending notes at twice the value of the prevailing motion (a whole note, when the prevailing value is half notes, or a half note when it is quarter notes), followed by a written-out rest of a single note. Bach uses the same notation, by the way, in a chorale he added to a St. Mark Passion he attributed to Reinhard Keiser.
It is possible that Bach notated most of his chorales differently from his contemporaries because he performed them differently. But it is unlikely. These were traditional sacred works, and Bach probably did not perform them in a radical way. A more plausible explanation, Rifkin points out, is that Bach used fermatas to avoid the notational mess that is caused by writing out these final notes with two extra beats; the extra beats throw off the normal barring of the tune. It is probable, then, that he held these notes-under-fermatas for about two beats followed by an extra beat of rest--just as is suggested by the notation of many other composers.
I certainly don't want to dismiss conductors who take other approaches. But it is always interesting to observe how a belief about performance practice that becomes an orthodoxy among historical performers may lack definitive historical support.

Paixão I


Dois fólios da cópia de 1736 da Paixão Segundo São Mateus, BWV 244

(Para os mais distraídos, contêm o fim do recitativo Aber Jesus, o coral Wenn ich, o recitativo Und sieh da, o coro Wahrlich e parte do recitativo Und es waren)

Paixão Segundo Michel Corboz

Sábado, dia 8 de Abril, tivemos oportunidade de ouvir a Paixão Segundo São Mateus de J.S.Bach, com o Coro e Orquestra Gulbenkian, sob direcção do Maestro Michel Corboz no último de 3 concertos realizados no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian.
Há anos que os académicos discorrem sobre a forma correcta de interpretar esta obra magna do Kantor de Leipzig. Uns, defendem o uso de vozes brancas, outros, o de um músico por parte, outros apenas um pequeno ensemble vocal e instrumental… e a Música? É verdade que, em termos epistemológicos, valoriza-se uma sociedade com consciência do passado, um sentido historicista que lhe permita entender o presente. Mas, se o discurso for radical, como por vezes tende a ser, entramos num vácuo diletante, num exercício escolástico, numa procura incessante de uma verdade histórica que, no caso concreto, apenas se obtêm por aproximação.
Desde os princípios do século XX que, na Europa, se assistiu ao florescimento de uma corrente interpretativa que preconizava o retorno à sonoridade original da música antiga, baseando-se no uso de instrumentos de época e ao estudo aturado da tratadística dos séculos XVI a XVIII. A primeira gravação da PSSMateus verdadeiramente imbuída deste espírito é a de Nikolaus Harnoncourt, em 1970, com um coro de vozes brancas e masculino, opção seguida nas décadas seguintes por diversos outros maestros, desbravando novas sonoridades, renunciando a uma visão romântica desta música e procurando a simplicidade das linhas, em detrimento dos arcos melódico. Foi uma pedrada no charco, se tivermos em conta a versão de Karl Richter (1958), a de Otto Klemperer (1962), ou mesmo a de Karl Münchiger (1965). Já na década de oitenta, surgem as gravações de Philippe Herreweghe (1985), John Eliot Gardiner (1989) e Gustav Leonhardt (1989), cada um deles num exercício de depuração, mas ao mesmo tempo de compromisso. Renunciam à sonoridade de massas, mas procuram ensembles de sonoridade quase etérea, numa plasticidade pouco genuína, à procura da perfeição. Ao longo da década de noventa, e mesmo nos meados do século XXI, assistimos ao extremar de posições. Se, por um lado, Paul MacCreesh (2002) apresenta uma versão minimalista, um músico por parte, Frans Brüggen (1996) e, novamente, Philippe Herreweghe (1998) e Harnoncourt (2001), surgem com abordagens de compromisso entre o provável e o contemporâneo, ou seja, a simplicidade da linha barroca, associada à qualidade inexcedível de ensembles musicais postos ao serviço de uma música de excepção. E aqui, colocamos uma questão: viver para a música, ou viver da música? Fazer da música o nosso espelho mágico, em que nos demoramos em horas infinitas de auto-bajulação, ou procurar na música um sentido para a vida, prestando-lhe um serviço?
Obviamente que todas as versões atrás mencionadas são válidas, até porque, em fim de contas, o que realmente importa é a música de Bach. Na hora de criticarmos um concerto, uma gravação, o que nos impele é um gosto, uma opção estética, mas por vezes o crítico tende a espelhar no objecto em questão a sua própria concepção da obra. Nesse momento, do nosso ponto de vista, deixa de ser crítico e passa a ser detractor ou bajulador. O crítico musical é aquele que, na posse de uma instrução sólida, no conhecimento profundo das correntes estéticas, define o que de bom ou de mau se fez à música, ou seja, o crítico está ao serviço da música e não ao serviço da sua concepção de música. Posto isto, passemos aos factos em concreto.
O concerto de Sábado contou com dois coros de c.30 pessoas e duas orquestras em número semelhante de figuras. A este efectivo musical juntou-se um coro misto de vozes brancas, o Coro Infantil da Academia de Santa Cecília. Os coros estavam dispostos nas extremidades laterais do palco, com o coro de crianças ao meio. Já a dupla orquestra, separada apenas pelo órgão [sendo que deveriam ter sido dois...], apresentava uma disposição espacial estranha, com os violoncelos à frente, separados dos contrabaixos pelas violas, o que teve a sua influência negativa, quer em diversos contínuos das árias, quer no desconcertante recitativo Und Siehe da, der Vorhang im Tempel, dando origem a um desfasamento quase inaceitável. Não podemos deixar de fazer um reparo ao número de violinos. Tendo em conta o número de coralistas, 24 violinos é demasiado, mesmo para as texturas impregnadas de dramatismo que o maestro Corboz exigiu aos músicos em palco. Dezasseis violinos teriam sido suficientes, visto que violas eram apenas seis, violoncelos quatro e contrabaixos dois.
No que diz respeito aos recitativos, Corboz optou por fazer os recitativos a seco apenas com órgão. Tal opção, apesar de resultar pobre do ponto de vista sonoro [a norma seria juntar um violoncelo e um contrabaixo], permitiu, por um lado, o contraste máximo com os recitativos de Jesus, acompanhados pelas cordas, valorizando-os, e por outro, abriu as portas à improvisação do organista, Marcelo Giannini, num acompanhamento rico e inventivo. O Evangelista, o tenor Andreas Karasiak, dotado de uma voz rica em harmónicos mas pobre em volume, soube valorizar os affeti, mas falhou nos momentos de maior tensão. Fazendo uso do falsete, acelarando ou alargando, consoante o texto, preferiu sempre uma emissão morna, sem o sturm und drang já imanente neste discurso musical. No oposto esteve Christian Immler no papel de Jesus. Jovem cantor, dotado de uma voz nobre, procurou ao longo da sua performance um compromisso entre o claro-escuro, arriscando uma impessoalidade vocal de grande efeito dramático. A sua invocação final Eli, Eli, foi, no mínimo, comovente.
O soprano Letizia Scherrer mostrou-se à altura do seu papel. Ao longo da PSSMateus apenas intervém pontualmente, e sempre com um texto musical de extrema complexidade. De voz encorpada, mas ao mesmo tempo cristalina, soube impregnar as suas árias de densidade dramática, preferindo expor a poesia de Picander em detrimento da sua voz. Tal humildade é de louvar. O seu ponto alto foi a ária Aus Liebe will mein Heiland sterben, onde contou com o solo de Sophie Perrier, na flauta, demonstrando sensibilidade ao fraseio musical.
O contratenor Carlos Mena foi, do nosso ponto de vista, a surpresa da noite. De timbre quente, não fora catalão e por isso, mediterrânico, pautou-se por uma interpretação cuidada, dir-se-ia, fina, mau grado o seu tique quase glótico de apanhar as notas. De fôlego impressionante, foi de um lirismo absoluto em Erbarme dich. Ainda nesta ária, de notar a excelência do fraseio de Maria Balbi, no violino soli, de sonoridade requintada, e em compromisso evidente entre o instrumento moderno que tinha em mãos e o fraseio barroco requerido pelo texto musical.
O tenor Christoph Einhorn foi, qual trapezista na corda bamba, o sufoco da noite. Quem o ouviu, temeu a cada momento a fífia, apercebendo-se, aos primeiros compassos, da inadequação da sua voz ao papel que se propôs fazer. Tal como na PSSJoão, as árias para tenor são de suma dificuldade, exigindo extensão e flexibilidade vocal. De voz pouco timbrada, o tenor abusou de uma emissão horizontal, parca em harmónicos, cortante, faltando-lhe, para mais, duas notas do registo agudo. Logo no seu primeiro recitativo acompanhado O Schmerz procurou mostrar o que não tinha, roçando a berraria. Foi com alguma ironia que nos detivemos na sua nota biográfica, onde, segundo o jornal suíço Der Bund seria “ o Evangelista nato”. Temos as nossas sinceras dúvidas…
O baixo Sebastian Noack mostrou plenamente o que valia. Mais barítono que baixo, detém uma voz com grão, encorpada, de harmónicos sumarentos, que se molda na perfeição a cada palavra. Nos recitativos mudou de timbre consoante a sua personagem, ora Judas, ora Pedro, umas vezes Sumo Pontífice, outras Pilatos, procurando, em cada uma delas, uma identidade própria. A sua expressividade vocal voltou a destacar-se nas árias, podendo o espectador desfrutar plenamente da sua voz. Apesar disso, faltou-lhe nobreza na sua última ária, Mache dich, para nós latinos, diríamos antes, paixão.
Ainda a propósito das árias, algumas observações que achamos pertinentes: Pedro Ribeiro, no oboé, foi revelador na ária Ich will bei meinem Jesu, lançando cada frase musical com extrema elegância, e servindo de excelente contraponto ao tenor solista, mau grado as deficiências deste último, das quais fizemos anterior menção; as cordas da Orquestra II foram quase mastodônticas na ária Gerne will ich mich bequemen, faltando-lhes tacto e sensibilidade musical; no dueto So ist mein Jesus foi a vez das cordas da Orquestra I mostrarem alguma dificuldade em assumirem o papel de contínuo, numa linha tortuosa e contínua, que parecia não acabar; Maria José Falcão foi eficaz em Geduld, wenn mich falsche, apesar de um ou outro tique mais romântico no fraseio, em especial no final da ária; nota negativa ao naipe dos I violinos da Orquestra II na ária Können Tränen, com uma linha atabalhoada, imprecisa e a raiar a desafinação; por fim, nota máxima para Matthias Spaeter, no alaúde, na ária Komm, süßes Kreuz, o momento mágico da noite.
Chegamos a três pontos sensíveis e sempre envoltos em grande polémica: os corais, os coros e as diversas interjeições corais da turba. No que diz respeito aos Corais da PSSMateus, estes constituem, do nosso ponto de vista, o equilibrium musical, servindo de elo de ligação entre as várias dramatis personae, dando uma consistência única à obra, como aliás acontece em grande parte da música sacra de Bach, para além de, obviamente, assumirem o papel de hino congregacional da liturgia protestante. Se, à época de Bach, era suposto que a assembleia de crentes se juntasse na entoação dos corais, pelo que as opiniões se dividem quanto à forma como devem ser interpretados, o Maestro Corboz optou, precisamente, pelo claro-escuro que representam. Mais ao jeito de tactus, os corais desenrolaram-se cadenciados, de pulsação e dinâmica regular, prestando atenção ao texto neles contido, e procurando estabelecer ambientes. Destacamos os corais Erkenne mich mein Hüter, Bin ich gleich von dir e Wenn ich einmal soll scheiden pelo controle absoluto que o maestro conseguiu dos músicos, e pela forma apurado como o texto foi declamado pelo coro.
As diversas interjeições corais da turba foram de prestação irregular, levantando-se desde logo a questão da diferença timbrica entre o Coro I e o Coro II. Passagens de grande teatralidade, são uma prova de temperamento vocal para qualquer coro. Estiveram particularmente bem o coro Herr, bin ich’s, Weisage uns, Christe e Andern hat er geholfen.
Deixámos propositadamente os coros para o fim, por neles estarem contidos um resumo da prestação do coro e da orquestra. O primeiro coro, Kommt, ihr Töchter, teve uma introdução instrumental pesada, sem qualquer tipo de tensão crescente, especialmente nas cordas. Apesar das interjeições exclamativas do Coro II, de grande efeito, fica a questão da pertinência deste se juntar ao Coro I logo de início. Por alguma razão Bach apenas os juntou na terceira secção deste número coral. Curiosa a opção de Corboz em fazer dobrar a parte de soprano ripieno, o coral O Lamm Gottes, a cargo do coro infantil, com uma trompa. Apesar de não estar mencionado na partitura, faz algum sentido se atendermos ao facto de Bach, por norma, dobrar os corais em texturas musicais semelhantes, precisamente com uma trompa. De qualquer forma, esta variação em nada alterou o sentido musical deste andamento. Em Sind Blitze, sind Donner, o crescendo telúrico que o coro nos ofereceu foi deveras impressionante, um dos momentos mais tensos em dramatismo da noite. Já o número final da I Parte, O Mensch bewein’ , foi, do nosso ponto de vista, demasiado rápido, trazendo dificuldades acrescidas ao já difícil fraseio dos instrumentos, particularmente os sopros. Questionável o decrescendo abrupto final, apesar da figuração rítmica assim o sugerir…
O número inicial da II Parte, Ach nun ist mein Jesus hin, para além do solo correcto de Carlos Mena, contou com uma intervenção coral cheia de vigor, de fraseado elegante, mas, novamente, com a participação dos dois coros. Teria sido bem mais interessante, e respeitador da partitura original, a opção de fazer este número apenas com o Coro II. A própria linha das vozes roça o madrigalesco, perdendo-se esta nuance musical por completo. Já o coro final, Wir setzen uns, foi, apesar do tique romântico que Corboz exigiu aos músicos, profundamente dramático, numa mistura, dir-se-ia, de desespero e glória. A orquestra manteve-se com alguma dificuldade no fraseio, mas o coro mostrou-se em pleno das suas características, de timbre apurado e controle absoluto das dinâmicas.
Ficou-nos a ideia de que Michel Corboz preocupou-se em dar-nos uma visão dramática da obra, raiando o que poderíamos denominar de ópera litúrgica, em vez de uma mera interpretação, estilisticamente, dita correcta.
Por fim colocamos uma questão: se algum público já sabe que vai ao encontro de um Bach muito pouco a la “Música Antiga”, porque é que teima em ir a estes concertos? Simplesmente para depois poder dizer mal?

segunda-feira, abril 10, 2006


Para breve, a crítica ao concerto de dia 8 de Abril pelo Coro e Orquestra Gulbenkian, sob direcção do Maestro Michel Corboz, com a Paixão Segundo São Mateus de J.S.Bach.

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